Arsênio no pescado: o que o consumidor precisa saber

Arsênio no pescado: o que o consumidor precisa saber

Toxicidade do arsênio depende crucialmente de sua forma química.

A palavra “arsênio” evoca imagens de veneno e perigo. Quando associada a alimentos que amamos, como peixes e frutos do mar, o alarme soa naturalmente, mas a ciência nos conta uma história mais complexa e muito menos assustadora. Para entender a real problemática, precisamos primeiro conhecer as duas faces do arsênio.

Orgânico vs. Inorgânico

A toxicidade do arsênio depende crucialmente de sua forma química. Confundir as duas é o principal motivo de pânico desnecessário.

Arsênio INORGÂNICO: o verdadeiro risco à saúde

Esta é a forma altamente tóxica e cancerígena, classificada como carcinógeno do Grupo 1 pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC).

Onde é encontrado? Naturalmente no solo e, principalmente, em águas subterrâneas de diversas regiões do mundo. Sua concentração pode ser agravada por contaminação industrial ou pelo uso antigo de pesticidas.

Principal fonte de contaminação: A maior ameaça à saúde pública globalmente provém do consumo de água contaminada com arsênio inorgânico, seja para beber, cozinhar ou irrigar plantações. Alimentos como o arroz, cultivado em solos e águas inundadas, são particularmente suscetíveis a absorver essa forma tóxica.

A preocupação real: A exposição crônica está associada a graves problemas de saúde, como câncer de pele, bexiga e pulmão. O artigo da McGill University desmistifica essa percepção, explicando que a toxicidade depende da forma química. (SCHWARCZ, 2018). A OMS confirma que a água contaminada é a maior ameaça à saúde pública. (OMS, Fatos Principais).

Arsênio ORGÂNICO: O parente inofensivo do mar

Nesta forma, o átomo de arsênio está ligado a átomos de carbono, o que o torna de irrelevante toxicidade, ou seja inofensivo em sua forma como encontrada no pescado.

Onde é encontrado? É a forma predominante em peixes, mariscos e outros frutos do mar. O composto mais comum é a arsenobetaína.

O que acontece no corpo? O organismo humano excreta o arsênio orgânico de forma rápida e eficiente, impedindo seu acúmulo e a ocorrência de danos significativos.

A própria Organização Mundial da Saúde afirma que “a ingestão de pequenas quantidades de compostos orgânicos de arsênio menos tóxicos, como o consumo de frutos do mar, não representa um risco à saúde”. (WHO, 2019).

Onde mora o perigo?

O problema do arsênio inorgânico é uma crise de saúde pública em várias partes do globo, mas está fortemente ligado à geologia e à contaminação de aquíferos, não à vida marinha.

Países como Argentina, Bangladesh, Camboja, Chile, China, Índia, México e Vietnã enfrentam um grande desafio com altos níveis de arsênio inorgânico em suas águas subterrâneas. A exposição nessas regiões ocorre principalmente pelo consumo de água potável e alimentos preparados com ela. (Fonte: OMS; Estudo Sobre o Arsênio, 2018).

O verdadeiro vilão é o arsênio inorgânico, encontrado principalmente em águas subterrâneas contaminadas. O arsênio presente em frutos do mar é majoritariamente orgânico e inofensivo.

O desafio de medir o que realmente importa

Se o arsênio do pescado é majoritariamente orgânico e inofensivo, por que tantas notícias geram alarme? A resposta está na forma como a análise é feita e, principalmente, no que os dados oficiais nos mostram.

A legislação brasileira

No Brasil, a avaliação de contaminantes em alimentos é rigorosamente regulamentada. O problema não está na lei, mas na sua aplicação parcial em laudos divulgados sem o devido contexto.

A problemática do “arsênio total”

Medir apenas o “arsênio total” em pescado é como pesar uma cesta de frutas para saber quantas maçãs podres existem nela. Como os frutos do mar são naturalmente ricos em arsênio orgânico (inofensivo), o valor total frequentemente pode ultrapassar o limite de triagem de 1,0 mg/kg, gerando um resultado alarmante que não reflete o risco real. Normalmente essas análises são embasadas na normativas que apresentam o limite de triagem desse componente.

O passo obrigatório: A análise do arsênio inorgânico

A legislação brasileira, através da RDC Nº 722/2022 da ANVISA, é precisa e alinhada à melhor ciência. Ela determina que, se um resultado de “arsênio total” for alto, é obrigatório realizar um segundo ensaio para quantificar apenas a forma INORGÂNICA. É este segundo resultado que valida a segurança do produto.

Dados oficiais do Mapa confirmam a segurança do pescado

Para encerrar a discussão com fatos, basta consultar os dados da autoridade competente no Brasil, o Ministério da Agricultura e Pecuária e Abastecimento (Mapa). O Mapa, em alinhamento com as diretrizes de recomendação da OMS, e atento ao verdadeiro problema de cunho sanitário (arsênio inorgânico), normatiza seus controles de resíduos e contaminantes através da IN Nº 9/2019. Com resultados claros do seu programa oficial, o Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC) de 2024, apresenta evidências definitivas.

Resultados oficiais para arsênio em pescado (PNCRC 2024):

Pescado de cultivo: 58 amostras analisadas. Resultado: 100% CONFORME. 

Camarão de cultivo: 56 amostras analisadas. Resultado: 100% CONFORME.  

Pescado de captura: 33 amostras analisadas. Resultado: 100% CONFORME.

Em um total de 147 amostras coletadas e analisadas sob o mais rigoroso controle oficial do governo, NENHUMA apresentou não conformidade para arsênio.

Da mesma forma, os relatórios de monitoramento conduzidos pelo Mapa nos últimos cinco anos evidenciaram um índice de conformidade de 100% em relação à presença de arsênio inorgânico em pescado, confirmando de forma consistente a ausência de risco sanitário associado a esse contaminante.

Referência: Resultados do Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes – PNCRC 2024. (MAPA, 2024).

Portanto, a ciência demonstra que o arsênio do mar é inofensivo. A legislação brasileira possui um método claro para avaliar o risco real. E, mais importante, os dados oficiais do Mapa comprovam que o pescado comercializado no país é seguro quanto aos níveis de arsênio.

Um laudo que aponta “altos níveis de arsênio” sem especificar a forma inorgânica está apresentando uma conclusão incompleta e enganosa. A verdadeira segurança sanitária do pescado é validada pela quantificação do seu componente tóxico, não pela soma que inclui sua forma majoritariamente inofensiva.

A segurança do consumo de pescado não é uma suposição — é uma conclusão respaldada por ciência de qualidade, regulamentação rigorosa e fatos comprovados.

Referências utilizadas:

ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 722, de 1º de julho de 2022. Dispõe sobre padrões microbiológicos e limites de contaminantes em alimentos.

CODEX ALIMENTARIUS. (2021). General Standard for Contaminants and Toxins in Food and Feed (Codex Stan 193-1995).

IARC – International Agency for Research on Cancer. (2012). Arsenic, metals, fibres and dusts. IARC Monographs on the Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans, Vol. 100C.

MAPA – Ministério da Agricultura e Pecuária. (2024). Resultados do Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC).

SCHWARCZ, J. (2018). What is the Difference Between Organic and Inorganic Arsenic? McGill University – Office for Science and Society.

WHO – World Health Organization. (2019). Exposure to Arsenic: A Major Public Health Concern. Geneva: WHO.

Este artigo foi elaborado pelo autor em conjunto com os demais membros da equipe técnica da Abipesca: Aniella Banat, diretora técnica, médica veterinária  e especialista em Qualidade Sanitária de alimentos (OPET) e Luana Coutinho, médica veterinária e Especialista em Defesa Sanitária Animal e Higiene e Inspeção de Produtos de Origem Animal (Unyleya).

Nota do autor: Nos últimos meses, alguns grupos de pescado foram alvo de informações falsas sobre contaminação química por arsênio. Essas alegações, divulgadas na mídia e com participação de ONGs e entidades sem base técnica, são tentativas de induzir a redução ao consumo, criando uma imagem marginalizada de produtos que são, na verdade, provenientes de pescarias reguladas por convenções internacionais reconhecidas, garantindo assim as melhores práticas de sustentabilidade. Vale lembrar que o Brasil conta com um dos sistemas de inspeção mais rigorosos do mundo e o Mapa é o órgão responsável por garantir a segurança dos alimentos.

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