A Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (ABIPESCA) repudia veementemente reportagem do portal Mongabay Brasil intitulada “Tubarões viram comida em escolas e hospitais públicos do Brasil, com riscos à saúde e ao meio ambiente”, reproduzida pelo jornal FOLHA DE S.PAULO nesta quarta-feira, 30. A entidade refuta totalmente o teor do texto que visa, clara e equivocadamente – em tom alarmista -, colocar o pescado brasileiro no banco dos réus. São infundadas as alegações de “contaminação por arsênio” (e qualquer outro tipo de contaminação) para gerar dúvida sobre a segurança desse alimento tão presente na mesa dos brasileiros.
Ao considerar a esfera ambiental, a pesca de tubarão, comercialmente chamado também de cação, nunca foi ilegal, e conta com uma regulamentação específica que garante o controle sobre a atividade exercida pelas embarcações de pesca brasileiras. A Portaria Interministerial MPA/MMA nº 30 de 17 de abril de 2025, determina um conjunto de medidas de gestão pesqueira, que visam garantir o uso e o respeito à cota de captura que nosso país recebeu no âmbito da Convenção Internacional para a Conservação dos Atuns no Atlântico (ICCAT, sigla em inglês). Após anos de discussões multilaterais e fundamentada em um amplo e atualizado estudo de avaliação do estoque de tubarão-azul no Atlântico Sul, o Brasil conquistou uma cota de 3.481 toneladas, muito aquém da concedida aos verdadeiros grandes capturadores, a União Européia, que detém atualmente uma cota de 17.753 toneladas, isso somente para o Atlântico Sul, pois o bloco ainda dispõe de cota de captura para o Atlântico Norte, onde nossa frota nem atua (Fonte: https://www.iccat.int/com2023/ENG/PA4_814A_ENG.pdf).
A ICCAT é uma Comissão composta por 54 países contratantes e dispõe, entre outras estruturas internas, de um Comitê Permanente de Pesquisa e Estatística (SCRS, sigla em inglês) que tem como principal objetivo fornecer as melhores, mais completas e atualizadas estatísticas sobre as atividades pesqueiras que ocorrem na área de atuação da Comissão (Fonte: https://www.iccat.int/en/organization.htm). O SCRS é composto por cientistas especialistas, e dividido internamente em Grupos de Trabalhos específicos, e alguns deles contam com a participação de cientistas brasileiros, especializados em oceanografia, biologia e estatística pesqueiras.
Ressalta-se ainda que os países signatários precisam reportar à Comissão dados e informações sobre suas atividades de pesca, assim como inúmeros outros relatórios sobre a frota pesqueira, produção de atuns e das outras espécies capturadas nessa pescaria, exportações de pescado e captura incidental de fauna (tartarugas, aves e cetáceos) e recursos pesqueiros que estejam sob medidas de proteção, inclusive os descartes. Países que não cumprem com seus compromissos de controle de pesca e reporte de dados são passíveis de serem sancionados pela Comissão, tendo suas pescarias e comercialização suspensas. Países que intencionam pescar recursos que estão submetidos ao manejo da Comissão precisam entregar anualmente um Plano de Pesca, detalhando suas estratégias internas de controle, monitoramento e compilação de dados a serem reportados.
Tal plano, bem como todos os demais relatórios de dados aqui mencionados são submetidos à aprovação de outra estrutura interna permanente da ICCAT, o Comitê de Conformidade das Medidas de Gestão e Conservação (Conservation and Management Measures Compliance Committee) e posteriormente aprovados pelas plenárias temáticas (Painéis) da Comissão.
E porque a gestão da pesca de tubarões é discutida no ICCAT, uma convenção sobre atuns? Por que a espécie é pescada pela mesma frota que atua sobre os atuns – essas embarcações são submetidas ao rigoroso controle internacional exercido pela Convenção – e se por se tratar de uma espécie altamente migratória e cosmopolita, encontrada em todos os oceanos (https://www.fishbase.se/summary/898). Justamente pelo caráter migratório da espécie, restringir a pesca e o comércio em iniciativas pontuais, a partir de apenas um país, são inócuas do ponto de vista da conservação. Em nada adianta proibir a nossa frota de atuar e nossas empresas de comercializar, pois os outros países continuaram produzindo e em volumes muito maiores do que o Brasil.
De forma conjunta à Portaria MPA/MMA nº 30 de 2025, a Instrução Normativa Interministerial MMA/MPA nº 14 de 26 de novembro de 2012, proibiu de forma definitiva nefasta prática do finning, colocando o Brasil num patamar de pioneirismo no combate à pesca predatória de elasmobrânquios, visto que até a atualidade países com elevado potencial pesqueiro ainda não o fizeram. Essas duas normas conjuntamente formam um complexo de medidas regulatórias sobre a atividade nacional, definindo de forma completa as regras de exploração dentro do nosso país. Consideramos que a publicação da Portaria MPA/MMA nº 30 de 2025 – fruto de uma proposta elaborada pelo setor produtivo – reforça nosso pioneirismo e o nosso compromisso global na conservação de recursos pesqueiros e respeito à cadeia produtiva, aos consumidores e ao meio ambiente.
Embora o foco da ICCAT seja a gestão da pesca de espécies migratórias no Oceano Atlântico, destacamos também a Convenção Internacional sobre o Comércio das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES, sigla em inglês) – da qual o Brasil também é signatário. São autoridades administrativas CITES no Brasil o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) (Fonte: https://cites.org/eng/parties/country-profiles/br). Nesta convenção o foco é global, e trata-se do controle e rastreabilidade do comércio internacional de produtos de flora e fauna. Uma convenção complementa a outra, ambas têm como objetivo a sustentabilidade e a conservação de espécies, e nenhuma delas recomenda a proibição da exploração da espécie Prionace glauca, o Tubarão azul. Muito pelo contrário, práticas regulatórias, avaliações científicas e rastreabilidade são o verdadeiro caminho para a recuperação da natureza, já que as ilegalidades ocorrem a despeito das proibições. Fabricar novas proibições apenas adiciona aqueles que hoje operam dentro das regras aos novos limites expandidos da ilegalidade.
Mas voltando ao controle exercido pelo IBAMA, no âmbito do acordo CITES: a espécie em questão está listada no Anexo II da CITES, sua comercialização é restrita (porém não é proibida) e controlada pelo IBAMA. Cada carga de produto dessa espécie que é importada por uma empresa brasileira precisa ser previamente licenciada e vistoriada pelo IBAMA, e ocorre apenas nos portos e aeroportos listados e autorizados pela autarquia ambiental (Fones: Instrução Normativa IBAMA nº 26 de 20 de novembro de 2023 e Instrução Normativa IBAMA nº 22 de 4 de novembro de 2024, e Instrução Normativa IBAMA nº 15, de 28 de julho de 2025). Desde a primeira publicação o órgão vem aprimorando o controle sobre as importações, tendo total conhecimento da quantidade, forma de apresentação, origem e destino de cada quilograma de cação importado no Brasil. Essas informações são reportadas à Convenção, que publica tudo em suas bases de dados. Desde que a CITES passou a fazer o controle dessa espécie o argumento de que somos os maiores importadores do mundo não se sustenta mais, se é que um dia teve sustentação bibliográfica, visto que a fonte dessa informação nunca foi apresentada pela autarquia ambiental. Tudo pode ser conferido através de uma plataforma virtual: https://tradeview.cites.org/en/taxon, e embora para essa espécies os dados estejam disponíveis apenas a partir de 2023 (ano em que a convenção passou a rastrear o comércio), o Brasil não figura nem sequer entre os cinco maiores importadores. Logo, ou o Brasil não é o maior importador, ou os dados coletados não estão sendo reportados à Convenção CITES.
Já no âmbito sanitário, o cação comercializado no Brasil, independentemente se de origem nacional ou importada, não apresenta qualquer tipo de contaminação, ou seja, não representa risco à saúde do consumidor. Dados oficiais do governo no monitoramento de resíduos e contaminantes em pescado comprovam isso. Todavia, a reportagem não menciona em qualquer momento a diferenciação dos tipos de arsênio. O arsênio total é composto por 2 tipos de arsênio, o orgânico, que é a forma encontrada naturalmente em peixes e frutos do mar, sem toxicidade, e o inorgânico, este possuindo poder de toxicidade somente se estiver acima dos limites estabelecidos pelas autoridades competentes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) é categórica: o arsênio orgânico, presente no pescado, não representa risco à saúde. Os alardes com o pescado residem na forma como alguns laudos são divulgados. Muitas análises medem apenas o chamado “arsênio total”, somando o orgânico (inofensivo) e o inorgânico (tóxico quando acima dos limites previstos). Isso é como pesar uma cesta inteira de frutas para saber se tem uma maçã estragada dentro. O resultado pode parecer alarmante, mas não reflete o risco real.
A legislação brasileira é clara: o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) é o órgão competente para fiscalizar a segurança dos alimentos de origem animal, incluindo peixes e frutos do mar. Isso está estabelecido na Lei nº 1.283/1950, artigos 1º e 2º, que determina a obrigatoriedade de fiscalização prévia sob os aspectos industriais e sanitários; e no Decreto nº 9.013/2017 (RIISPOA), que regulamenta todos os procedimentos de inspeção — do abate à rotulagem e transporte. Além disso, é importante destacar que os países exportadores de produtos de origem animal devem obrigatoriamente cumprir a legislação sanitária brasileira para que seus produtos possam ser internalizados no território nacional. Essa exigência é condição prévia para a autorização de importações.
No caso de produtos importados, o MAPA atua por meio do Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional (VIGIAGRO), conforme definido pela Instrução Normativa nº 51/2011. Essa normativa estabelece que: “A importação de animais, vegetais, seus produtos, derivados e partes, subprodutos, resíduos de valor econômico e dos insumos agropecuários […] atenderá aos critérios regulamentares e aos procedimentos de fiscalização, inspeção, controle de qualidade e sistemas de análise de risco, fixados pelo MAPA.”.
Dessa forma, todos os produtos de origem animal importados e devidamente autorizados pelo MAPA após inspeção documental e física nos postos de fronteira devem estar em conformidade com os requisitos sanitários nacionais, incluindo os padrões de segurança para resíduos químicos e contaminantes, como o mercúrio e arsênio. Na segurança no consumo e limites de mercúrio, peixes predadores, como o cação, podem acumular mercúrio ao longo da vida. No entanto, o limite legal para mercúrio em peixes predadores é de 1,0 mg/kg, conforme a ANVISA (RDC nº 722/2022) e também reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Se o peixe foi inspecionado pelo MAPA e recebeu o selo SIF, isso garante que ele não ultrapassou esse limite e, portanto, é seguro para consumo humano.
O MAPA monitora continuamente a qualidade dos alimentos. O relatório mais recente do Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC 2024) trouxe um dado irrefutável: Pescado de cultivo: 58 amostras analisadas – 100% conformes; Camarão de cultivo: 56 amostras analisadas – 100% conformes; Pescado de captura: 33 amostras analisadas – 100% conformes.
Em um total de 147 amostras, nenhuma apresentou níveis de arsênio inorgânico fora dos padrões de segurança. Os dados dos últimos cinco anos mostram o mesmo: índice de conformidade de 100%.
É peremptório ressaltar que o pescado brasileiro passa por um dos sistemas de inspeção mais rigorosos do mundo. Significa que ele é seguro, saudável e pode ser consumido sem medo. A ABIPESCA segue firme na defesa da qualidade do pescado e no combate à desinformação. Fake news e análises incompletas não podem comprometer a confiança do consumidor em um produto que é sinônimo de saúde e sustentabilidade.
Ao que tange às licitações e compras públicas, os editais exigem selos de inspeção, comprovando que o produto passou por todas as análises necessárias, conforme as normas brasileiras. O selo de inspeção atesta que o produto passou por controle de qualidade oficial; que cumpre todas as exigências sanitárias e industriais; e que está dentro dos padrões de segurança do alimento exigidos por lei, inclusive análises de metais pesados.
Alertamos ainda, que as informações publicadas na reportagem em tela misturam preocupações ambientais com dados incorretos sobre saúde pública, confundem as responsabilidades dos órgãos fiscalizadores e deturpam o entendimento da população brasileira. Indigna-se não haver em qualquer momento instar as autoridades devidamente competentes para manifestação na reportagem, como o MAPA e o Ministério da Saúde, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. A verdade é que o cação não é vilão; e sim uma fonte essencial de proteína, rico em nutrientes e comprovadamente seguro. Prezamos pela responsabilidade de o País se ater aos hábitos de consumos já instaurados, os quais devem ser devidamente respeitados, aos dados oficiais de controle, à ciência e ao rigor da fiscalização brasileira.
Atenciosamente,
EDUARDO LOBO
Presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados