A Quarta Revolução Industrial (Indústria 4.0) é um desdobramento das três revoluções anteriores:
A Primeira, que ocorreu na segunda metade do século XVIII com epicentro na Inglaterra, sendo marcada pela substituição do trabalho artesanal pelo assalariado e pelo uso de máquinas; e a Segunda, que teve início por volta de 1850 e envolveu o desenvolvimento das indústrias química, elétrica, de petróleo e aço.
No entanto, a Terceira Revolução Industrial, iniciada por volta de 1950, foi marcada pela substituição da mecânica analógica pela digital, pelo uso de microcomputadores, pela criação da internet (1969), pela digitalização de arquivos e pela introdução da robótica em larga escala. Este período também foi marcado pelo desenvolvimento de novas fontes de energia, como a nuclear, a solar e a eólica, além do avanço da engenharia genética e da biotecnologia. Grandes inovações na agricultura e a invenção do telefone celular por Martin Cooper (1973) também datam desse período, sendo que as evoluções deste último são os principais indutores do início da Quarta Revolução Industrial.
Nesta rápida viagem pelas grandes fases das Revoluções Industriais, chegamos a 2011, quando o termo “Indústria 4.0” foi utilizado pela primeira vez na Alemanha, durante a feira Hannover Messe, onde foi apresentado um plano de desenvolvimento das indústrias alemãs, com o conceito de utilização de softwares que possibilitavam a conexão entre homens e máquinas. Logo, informações sobre demanda, controle de fabricação, integração de processos, pessoas e máquinas formaram a era inaugural da Indústria 4.0.
O período da Primeira Revolução Industrial teve duração de aproximadamente 100 anos, o mesmo intervalo entre o início da Segunda e da Terceira. Já o salto tecnológico que marca o início da Quarta Revolução ocorreu cerca de 60 anos após a Terceira. Passados 14 anos desde o lançamento do conceito da Indústria 4.0, não apenas observamos o encurtamento do tempo entre as fases, como também já identificamos sinais de que uma nova revolução está a caminho: a Indústria 5.0. Esta nova fase se aproxima com a implementação da Inteligência Artificial (IA) nas indústrias, a rápido crescimento de tecnologias de machine learning, a autocertificação de processos produtivos (como o e-Cert, já em curso no Brasil para outras cadeias produtivas), o uso de blockchain e, em breve, as aplicações da computação quântica nos processos fabris.
Outra grande característica desta nova era é a relação entre a IA e as relações humanas, o que indica uma transformação profunda no modelo de gestão de pessoas, muito além dos tradicionais choques geracionais nas grandes corporações, negócios familiares ou artesanais. Ou seja, mais do que nunca, as soft skills serão ingredientes principais para o sucesso na transformação tecnológica e sobrevivência no mercado de pescado, cada vez mais competitivo.
O pescado na constante mudança do mundo
É importante, portanto, observar este delineamento histórico e projetá-lo para o futuro, analisando quais boas práticas de mercado e de processos produtivos ainda são válidas e quais novas experiências proporcionaremos aos consumidores de pescado e a todos os stakeholders da cadeia. E não me refiro apenas à experiência sensorial do consumo, mas a de compra, ao recebimento do produto, à transparência, ao acesso à informação, aos cuidados com a saúde e aos impactos sobre a sustentabilidade, além da rápida autorrecompensa que a Geração Z busca no consumo e nas relações – lembremos que essa é a primeira geração nascida em um mundo totalmente digital e também a primeira no Brasil a ser uma consumidora nativa de comida oriental, ou seja, os “peixes crus”.
De fato, estamos vivendo uma nova transição e convivendo com realidades ambíguas nas diversas fases da cadeia de custódia do pescado. Ao mesmo tempo em que temos indústrias com grande maturidade na gestão e no uso de tecnologias, enfrentamos também desafios relacionados que remetem à Primeira Revolução Industrial. Talvez, não exista um setor produtivo tão interligado entre diferentes esferas e, ao mesmo tempo, com modos estruturais tão diversos. A grande pergunta é: como conciliar harmoniosamente esses diferentes momentos e continuar avançando frente às mudanças globais, sem perder espaço por falta de atualização?
Além do setor produtivo, temos reflexos igualmente antagônicos de maturidade tecnológica na gestão governamental, que interagem diretamente com nossos negócios.
Por outro lado, temos rigorosos e modernos protocolos sanitários na aquicultura e notáveis avanços no controle da produção da pesca, com mapas de bordo digitais e cotas de captura monitoradas por painéis “quase em tempo real”. No entanto, ainda enfrentamos a emissão de licenças de importação e exportação CITES unicamente em papel, feitas exclusivamente de forma presencial na sede federal do órgão responsável, em Brasília. Ainda enfrentamos um sistema de rastreamento de embarcações (o glorioso PREPS!), agonizando por uma atualização tecnológica. Ou seja, nossa segurança jurídica flutua diante das exigências díspares por parte dos reguladores do Estado.
Além das mudanças tecnológicas globais, teremos outros desafios em 2025, especialmente no campo político. Estaremos não apenas com novas gestões governamentais em nossos municípios, mas também com um novo chefe de governo nos Estados Unidos, principal destino das exportações de pescado do Brasil (mais de 80% das exportações da aquicultura e mais de 60% das exportações da pesca são direcionadas ao mercado norte-americano, segundo o COMEX/STAT). Além disso, os EUA são nosso principal concorrente na compra de salmão do Chile, ao passo que a saúde econômica de lá impacta diretamente os preços e volumes ofertados ao mercado brasileiro, bem como as exportações nacionais. E nem vou entrar no tema da reforma tributária, que no momento está sendo debatida no Senado Federal após a aprovação da proposta pela Câmara dos Deputados.
Seguimos para 2025 avançando com a proteína mais sustentável de se produzir, com o produto que mais deve crescer em produção e consumo global nos próximos anos. Buscamos, com resiliência, a conciliação das diferentes fases de maturidade que nos interligam no setor, preparando nossas empresas para a próxima geração de consumidores, avançando no uso de tecnologias para melhorar a eficiência e a competitividade. E temos como porto seguro as palavras de Heráclito de Éfeso, proferidas há mais de 2.500 anos: “A única certeza que temos é a mudança constante.” Nesse sentido, a Abipesca se posiciona como um agente de apoio a essas transformações, dando suporte às indústrias associadas e catalisando os avanços necessários para o protagonismo da indústria de pescado brasileira.
Confira a matéria publicada na Revista Seafood #55 – 2024
Por Jairo Gund
Diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca)